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O “autoritarismo” na aplicação dos poderes de polícia sanitária por parte de Governadores e Prefeitos numa interpretação “equivocada” da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 6.341.

Resumo: O artigo tem como foco a apresentação da competência concorrente entre União, estados-membros, Distrito Federal e municípios na utilização dos poderes de polícia sanitária frente à decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 6.341 que levou ao “autoritarismo” de entes federados nos atos emanados com “enfoco” no combate ao COVID-19. O objetivo deste artigo, terá como resultado a demonstração de inconstitucionalidades e ilegalidades dos Decretos estaduais e/ou municipais que atingem direitos e garantias individuais dos cidadãos brasileiros. Para chegar a este entendimento foi necessário a análise de diversos artigos, livros utilizando, deste modo, a bibliografia como metodologia, essencial ao desenvolvimento do trabalho.

Palavras-chave: ADI nº 6.341, Supremo Tribunal Federal, competência concorrente, autoritarismo.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 O mundo se surpreende com o surgimento e a propagação (epidemia e pandemia) de um vírus mortal. 2.2 A chegada do COVD-19 no Brasil. 2.3 Da Lei nº 13.979/2020 e a Medida Provisória (MP) 926/2020 que criam medidas para enfrentamento do COVID-19. 2.4 Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando a competência exclusiva da União na aplicação de polícia sanitária no combate ao COVID-19. 2.5 Por liminar o Supremo Tribunal Federal (STF) aponta competência concorrente entre estados-membros, Distrito Federal, municípios e a União na aplicação de polícia sanitária no combate ao COVID-19. 2.6 Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confere validade à liminar concedida. 2.7 Atuação dos estados-membros, Distrito Federal e municípios no combate ao COVID-19. 2.7.1 “Autoritarismo” dos estados-membros, Distrito Federal e municípios no combate ao COVID-19. 2.8 Interpretação “equivocada” da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) por parte dos estados-membros, Distrito Federal e municípios. 2.9 O que diz a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) sobre Direitos Fundamentais, Estado de Defesa, Estado de Sítio e Intervenção Federal. 2.9.1 Dos direitos e garantias fundamentais constitucionais. 2.9.2 Do estado de defesa. 2.9.3 Do estado de sítio. 2.9.4 Da intervenção federal. 2.10 O que diz a Lei sobre estado de calamidade pública.

1. INTRODUÇÃO

O mundo vive um momento delicado de proteção da saúde sanitária devido à proliferação e contágio de um novo vírus (SARS-Cov-2) que surgiu na China. Apesar de novo esse vírus encontra-se no gênero de outros já existentes, estando, portanto, presente na categoria Coronavírus[1].

Para que houvesse uma fácil identificação da nova espécie de coronavírus esse foi denominado de COVID-19[2].

Este novo vírus nos casos mais graves pode causar Síndrome Respiratória Aguda Grave levando o ser humano à morte. Por isso como se trata de um vírus de fácil proliferação e contágio pelo contato físico e/ou pelo ar houve um alerta mundial foi emitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que todos países pudessem se preparar.

Infelizmente aquele momento foi tardio, já que naquele instante já havia centenas de casos espalhados mundo a fora.

O surto levou governantes do mundo inteiro a adotarem medidas para evitar a proliferação e contágio dos seus cidadãos. Medidas essas condizentes e/ou não com suas realidades normativas.

Com o Brasil não foi diferente. A princípio o Governo Federal normatizou, via Decreto, regulamentando o combate ao COVID-19. Apesar disso, o Partido Democrático Brasileiro (PDT) demandou perante o Supremo Tribunal Federal (STF) alegando competência concorrente entre todos os entes federados a legislarem sobre o combate ao COVID-19.

A tutela jurisdicional foi concedida pela Corte Maior, o STF, o que gerou um desenvolvimento de normas criadas por estados-membros e municípios para o combate ao COVID-19.

Das milhares de normas publicadas Brasil a fora, tivemos medidas sensatas, mas também medidas ditas por alguns como “autoritárias”.

Este trabalho visa demonstrar algumas medidas adotadas por Governadores e Prefeitos apontando a legitimidade ou não da criação e aplicabilidade das normas e se a medida utilizada para tal, decretação do estado de calamidade pública, autoriza ou não que as medidas sejam cumpridas, conforme entendimento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)[3].

Para compreensão dos meandros a serem apontados, neste artigo, se fez necessária a análise de livros, artigos científicos, em forma física e virtual, sites jornalísticos, assim, utilizando-se da metodologia de cunho bibliográfico.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 O mundo se surpreende com o surgimento e a propagação (epidemia e pandemia) de um vírus mortal.

As sociedades espalhadas pelo mundo caminhavam cotidianamente na resolução de mazelas já existentes em seus âmbitos como a fome, desigualdade social, falta de saneamento básico, doenças graves, mesmo assim o mundo foi surpreendido com o surgimento de outra moléstia, um vírus que pode levar à morte.

Em 31/12/2019 a OMS foi alertada pelo governo chinês, acerca da existência de vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei[4].

Ficou identificado que se tratava de um novo coronavírus, esse causando consequências graves nos humanos.

Diz-se novo coronavírus, pois é comum o homem ser contaminado por várias outras espécies de coronavírus porém sem efeitos tão drásticos, isto é, geralmente, não passa de um resfriado comum.

O mesmo não pode dizer da Síndrome Respiratória Aguda Grave causada por este coronavírus (SARS-Cov-2), que foi denominado de COVID-19, trazendo consequências graves aos humanos que podem vir a falecer por infecção respiratória grave[5].

Por se tratar de um vírus sua disseminação e contágio é facilitada com o contato social e até mesmo pelo ar, de modo que, num mundo globalizado se torna inevitável a dispersão geográfica da doença.

Pensando nisso a OMS em 30/01/2020 declarou o avanço do vírus para outras regiões declarando a existência de uma epidemia (aumento da doença em várias regiões)[6].

O agravamento da disseminação quase inevitável num mundo globalizado gerou mais uma manifestação da OMS, desta vez em 11/03/2020, quando declarou uma escalada da disseminação e contágio do vírus, neste momento, ultrapassando regiões e atingindo outros países e continentes, assim caracterizando estado de pandemia[7].

Naquele momento haviam 118.000 casos em pelo menos 114 países conforme referiu Tedros Adhanom Ghebreyesus diretor-geral da OMS[8].

Os níveis alarmantes de disseminação e contágio chamaram a atenção da sociedade internacional para a prevenção da doença.

Países e Organizações Internacionais iniciaram campanhas preventivas e repressivas no combate ao COVID-19, novo vírus que pode levar o ser humano à morte.

2.2 A chegada do COVD-19 no Brasil.

A princípio as autoridades brasileiras apontaram que o primeiro caso confirmado no Brasil por contágio do COVID-19 se deu em 26.02.2020, mas, numa investigação retrospectiva, o Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontaram que o contágio e morte pelo COVD-19 já havia ocorrido no final de janeiro de 2020[9].

Dando pouca atenção à data inicial da primeira contaminação e/ou morte por COVID-19, já que não é tema deste trabalho, fato é que as autoridades brasileiras começaram a preocupar-se com a situação existente, o que os levaram a criar normas para o combate antecipado do contágio, disseminação e repressão da doença nas situações já consolidadas pela contaminação.

Deste modo, o governo federal, em 06/02/2020 publicou a Lei nº 13.979/2020[10] adotando medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública em decorrência do COVID-19, Lei posteriormente alterada em parte pela Medida Provisória de nº 926/2020 publicada no dia 20/03/2020[11].

2.3 Da Lei nº 13.979/2020 e a Medida Provisória (MP) 926/2020 que criam medidas para enfrentamento do COVID-19.

Vê-se que a preocupação das autoridades brasileiras se deu no início do mês de fevereiro de 2020 quando, mesmo sem confirmação de algum caso naquele momento, tomou iniciativa para legislar sobre o tema.

Ficou determinado como objeto da Lei “medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”[12].

Já a Medida Provisória 926/2020 possui altera a Lei em alguns dispositivos “para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”[13].

As normas possuem diversos dispositivos que regulam o combate ao coronavírus todos visando alcançar “a proteção da coletividade”, conforme disposto no Art. 1º, a Lei 13.979/2020[14].

Para enfrentamento da emergência ficou determinado pela Lei que as autoridades poderiam utilizar-se de medidas como (Art. 3º da Lei nº 13.979/2020)[15]:

Art. 3º  (…)

I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

IV – estudo ou investigação epidemiológica;

V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:

a) entrada e saída do País; e

b) locomoção interestadual e intermunicipal;

VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

VIII – autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:

a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e

b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

Em suma além do isolamento, da quarentena, da realização compulsória de exames, dos testes, das restrições excepcionais de circulação, a lei também refere sobre contratação direta de fornecedores de produtos e serviços, o direito a tratamento gratuito aos contaminados, e sobre a manutenção de serviços essenciais dentre outros.

As normas jurídicas elaboradas pelo Governo Federal conduziram a uma indagação, qual seja: por se tratar de emergência de saúde pública, a competência para legislar sobre o tema não seria concorrente entre União, estados-membros, Distrito Federal e municípios?

Essa incógnita levou o Partido Democrático Trabalhista (PDT) a demandar perante o Supremo Tribunal Federal alegando Inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Medida Provisória de nº 926/2020[16], por conseguinte, também, da Lei nº 13.979/2020[17].

2.4 Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando a competência exclusiva da União na aplicação de polícia sanitária no combate ao COVID-19.

Diante da análise do conteúdo da Lei nº 13.979/2020[18], da Medida Provisória de nº 926/2020[19] e visando as questões locais. os estados-membros e os municípios passaram a regulamentar o tema apresentando normas para concretização do isolamento, da quarentena e da restrição temporária e excepcional de trânsito por rodovias, portos e aeroportos.

A conduta local foi questionada pelo Presidente da República o qual apontou a competência Federal para regulamentação das medidas emergenciais para enfretamento da pandemia de COVID-19.

Tal postura levou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), em 23.03.2020, a ajuizar Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 6.341[20] do Art. 3º e incisos I, II e VI, e parágrafos 8º, 9º, 10 e 11 da Medida Provisória 926/2020[21], consequentemente da Lei de nº 13.979/2020[22] requerendo a independência dos estados-membros, Distrito Federal e/ou municípios para adotarem as medidas que pensam ser necessárias para que ocorra o isolamento e/ou quarentena.

Vejamos na íntegra os dispositivos legais que foram objeto da ADI[23]:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

I – isolamento;

II – quarentena;

[…]

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:

a) entrada e saída do País;

b) locomoção interestadual e intermunicipal;

[…]

§ 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.

§ 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º.

§ 10. As medidas a que se referem os incisos I, II e VI do caput, quando afetarem a execução de serviços públicos e atividades essenciais, inclusive as reguladas, concedidas ou autorizadas, somente poderão ser adotadas em ato específico e desde que em articulação prévia com o órgão

regulador ou o Poder concedente ou autorizador.

§ 11. É vedada a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais, definidas nos termos do disposto no § 9º, e cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população.

O partido alegou que havia inconstitucionalidade formal da norma, já que tratada por Medida Provisória e não Lei Complementar; ademais, no âmbito material, por tratar-se de providências de polícia sanitária epidemiológica de saúde, a competência constitucional seria concorrente entre todos os entes, conforme aponta o Art. 23, inciso II da CRFB/88[24].

2.5 Por liminar o Supremo Tribunal Federal (STF) aponta competência concorrente entre estados-membros, Distrito Federal, municípios e a União na aplicação de polícia sanitária no combate ao COVID-19.

O processo foi distribuído ao Ministro Marco Aurélio sendo este designado relator da demanda.

Como se tratava de ação com pedido liminar coube ao respeitável Ministro Marco Aurélio a análise do requerimento antes do fim da demanda.

Para tanto, em 24/03/2020[25] a medida acautelatória requerida pelo PDT foi parcialmente deferida com as seguintes fundamentações:

A cabeça do artigo 3º sinaliza, a mais não poder, a quadra vivenciada, ao referir-se ao enfrentamento da emergência de saúde pública, de importância internacional, decorrente do coronavírus. Mais do que isso, revela o endosso a atos de autoridades, no âmbito das respectivas competências, visando o isolamento, a quarentena, a restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de entrada e saída do País, bem como locomoção interestadual e intermunicipal.

Seguem-se os dispositivos impugnados. O § 8º versa a preservação do exercício e funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais. O § 9º atribui ao Presidente da República, mediante decreto, a definição dos serviços e atividades enquadráveis. Já o § 10 prevê que somente poderão ser adotadas as medidas em ato específico, em articulação prévia com o órgão regulador ou o poder concedente ou autorizador. Por último, o § 11 veda restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços púbicos e atividades essenciais.

Vê-se que a medida provisória, ante quadro revelador de urgência e necessidade de disciplina, foi editada com a finalidade de mitigar-se a crise internacional que chegou ao Brasil, muito embora no território brasileiro ainda esteja, segundo alguns técnicos, embrionária. Há de ter-se

a visão voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados todos os cidadãos. O artigo 3º, cabeça, remete às atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas. Não se pode ver transgressão a preceito da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior.

Também não vinga o articulado quanto à reserva de lei complementar. Descabe a óptica no sentido de o tema somente poder ser objeto de abordagem e disciplina mediante lei de envergadura maior.

Presentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da República – Jair Bolsonaro – ao editar a Medida Provisória. O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge acolhível o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça inicial, assentando-se, no campo, há de ser reconhecido, simplesmente formal, que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

3. Defiro, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente.

4. Esta medida acauteladora fica submetida, tão logo seja suplantada a fase crítica ora existente e designada Sessão, ao crivo do Plenário presencial. Remetam cópia desta decisão ao Presidente do Supremo – ministro Dias Toffoli –, aos demais Ministros, aos Presidentes da República, da Câmara e do Senado, procedendo-se de idêntica forma quanto ao Procurador-Geral da República.

Em poucas linhas foi decidido acerca da não inconstitucionalidade formal, ou seja, que a matéria poderia ser regulada por Medida Provisória; mas, foi apontada a inconstitucionalidade material devendo o isolamento, a quarentena e as restrições excepcionais e temporárias de locomoções em portos, aeroportos e rodovias interestaduais e/ou intermunicipais serem reguladas por cada ente federado.

2.6 Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confere validade à liminar concedida.

Após decisão liminar do Relator, Ministro Marco Aurélio, encaminhou o processo para que o Plenário do STF julgasse definitivamente a matéria.

No dia 15/04/2020[26] a maioria dos Ministros do STF referendaram os termos concessivos da liminar acrescentado apenas um item, senão vejamos a íntegra do aresto:

Decisão: O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação conforme à letra b do inciso VI do art. 3º, os Ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Falaram: pelo requerente, o Dr. Lucas de Castro Rivas; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Telecomunicações – FEBRATEL, o Dr. Felipe Monnerat Solon de Pontes Rodrigues; pelo interessado, o Ministro André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 15.04.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência – Resolução 672/2020/STF). {Grifo nosso}

Como se pode perceber, o Plenário manteve todos os termos da decisão liminar acrescendo apenas que cabe ao Presidente da República, mediante Decreto, dispor sobre quais são os serviços públicos e atividades essenciais neste período de pandemia.

2.7 Atuação dos estados-membros, Distrito Federal e municípios no combate ao COVID-19.

Dirimida a dúvida referente à competência concorrente de estados-membros, Distrito Federal e municípios acerca da  normatização de políticas públicas ao combate do COVID-19, via policiamento sanitário de saúde pública, os entes emanaram diversas normas jurídicas, especialmente por meio de Decretos, que foram e ainda são questionados devido a limitação de direitos e garantias constitucionais impostas aos cidadãos.

Neste instante insta apontar, mais uma vez, quais são as competências concorrentes dos entes federados definidas pelo STF.

Devem os entes regularem sobre: a) isolamento social; b) quarentena, c) restrições excepcionais e temporárias de locomoções em portos, aeroportos e rodovias interestaduais e/ou intermunicipais.

Apesar disso, estados-membros e municípios vêm extrapolando em suas competências, regulando e retirando direitos e garantias individuais em detrimento do que julgam ser o bem coletivo.

Importante apontar que este artigo não quer assinalar que as garantias individuas devem ou não se sobrepor às garantias da coletividade, mas sim abalizar que o instrumento utilizado não é o referendado pela CRFB/88[27]. Os atos praticados pelos estados-membros, Distrito Federal e municípios são inconstitucionais.

Mas quais condutas levam a essas interpretações? Vejamos tópico abaixo.

2.7.1 “Autoritarismo” dos estados-membros, Distrito Federal e municípios no combate ao COVID-19.

A decisão do STF levou gestores público a mostrarem sua real face perante a sociedade brasileira. Vejamos.

Para exigir o cumprimento do isolamento e/ou quarentena Governadores e Prefeitos utilizaram ferramentas que violam direitos e garantias constitucionais fundamentais como a liberdade de ir e vir, de reunião, do exercício de atividade laboral, inviolabilidade domiciliar dentre outros.

Para tanto, impõem toque de recolher sob pena de prisão e/ou pagamento de multa, condução coercitiva, barricadas em estradas e entradas das cidades, fechamento de fronteiras, limitações dos transportes rodoviárias interestaduais, intermunicipais, aeroportos e portos, invasão a domicílios etc.

Mas e os direitos e garantias individuais constitucionais como de ir e vir, de reunião, do exercício de atividade laboral, da inviolabilidade domiciliar?

2.8 Interpretação “equivocada” da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) por parte dos estados-membros, Distrito Federal e municípios.

Sob a alegação da proteção do bem comum em detrimento do individual é que os gestores públicos agem de forma “autoritária”. Mas as atuações possuem respaldo constitucional?

A decisão do STF não concedeu  liberdade geral aos estados-membros, Distrito Federal e municípios afim de restringirem e/ou limitar direitos e garantias individuais, até porque a ocorrência das restrições e/ou limitações são passíveis, mas de forma excepcional e em situações específicas como estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal.

Insta demonstrar que tais restrições e/ou limitações estão sendo impostas pelos Governadores e Prefeitos com base em Lei que aponta o estado de calamidade pública em detrimento do quanto preceitua a CRFB/88[28].

Para compreensão do acima exposto necessário uma análise atenta dos tópicos abaixo.

2.9 O que diz a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) sobre Direitos Fundamentais, Estado de Defesa, Estado de Sítio e Intervenção Federal.

Analisando preceitos constitucionais e legais sobre a possibilidade da existência de restrições e/ou limitações a direitos fundamentais estatuídos na CRFB/88 temos o seguinte.

A violação a direitos fundamentais constitucionalmente garantidos podem ocorrer desde que em situações excepcionais. A base jurídica, que apontam as hipóteses de excepcionalidade e o procedimento para que tais restrições e/ou limitações possam ocorrer, se encontra na própria CRFB/88 na possibilidade de decretação de Estado de Defesa; Estado de Sítio e Intervenção Federal[29].

Para tanto, abaixo serão apresentados tais institutos para que a compreensão final seja adequada.

2.9.1 Dos direitos e garantias fundamentais constitucionais.

Os direitos e garantias fundamentais encontram-se insculpidos no Título II da CRFB/88 sendo agrupados por 5 (cinco) categorias, quais sejam: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos de participação em partidos políticos[30].

Para compreensão deste trabalho vamos analisar apenas o primeiro Capítulo I do Título II da CRFB/88 que trata dos direitos e garantias fundamentais[31].

Insculpida no Art. 5º, a CRFB/88 traz dezenas de direitos e garantias fundamentais como: à vida; a propriedade; direito de petição; igualdade; livre manifestação do pensamento; inviolabilidade de crença, da casa, da vida privada, da honra, da correspondência; direito de informação; liberdade de associação; direito de herança; direito de reunião; de ir e vir; livre exercício da profissão dentre outras dezenas[32].

Vê-se que o rol de direitos e garantias é extenso e ali não foi posto de forma meramente voluntária por acreditar que o cidadão merece tal tratamento.

A conquista desses direitos, por parte do cidadão, possui um contexto histórico que se confunde inclusive com a história da humanidade, deste modo, sendo produto de diversas civilizações.

Desde sempre, quando o homem passou a viver em sociedade, se fala em direitos e garantias fundamentais. Vejamos um resumo do contexto histórico de direitos e garantias fundamentais.

Mesmo na Antiguidade o tema já era referido quando da busca de direitos como a vida; a propriedade e a honra, esses apontados no Código de Hamurábi de 1690 a. C[33].

Ainda na Antiguidade o povo judeu definiu os Dez Mandamentos que também tratou sobre direitos e garantias fundamentais como “não matarás”; “não roubarás”; “não darás falso testemunho” etc[34].

Direito como a liberdade, igualdade e participação política foi tratado na Grécia Antiga que fazia referência ao Direito Natural apontando-o como anterior ao indivíduo.

            Roma foi contemplada com a Lei das Doze Tábuas que possuía em seus escritos direitos e garantias como igualdade e a propriedade[35].

No Oriente não foi diferente, Buda por exemplo pregava a igualdade entre os seres humanos.

            A religião esteve sempre presente na busca de direitos e garantias ao humano e neste aspecto buscou resguardar interesses de grupos de pessoas fragilizadas como órfãos; viúvas; estrangeiros; doentes e mulheres.

A cada período histórico, uma tendência para o surgimento de direitos e garantias fundamentais, e. na Idade Média não foi diferente quando o Rei João Sem Terra, na Inglaterra de 1215, publicou uma Magna Carta que limitou os poderes do monarca frente aos membros da nobreza, assim obtendo o direito à liberdade de locomoção; livre acesso à justiça e proteção tributária[36].

Na Idade Moderna, com o aparecimento do iluminismo, surgiu, mais uma vez, a necessidade de valorização de direitos e garantias fundamentais, já que na Idade Média houve um certo retrocesso quando a Igreja Católica se encontrava no auge do “autoritarismo”, período este conhecido como Idade das Trevas, segundo os iluministas[37].

Direitos e garantias fundamentais constitucionais, isto é, a positivação de direitos e garantias em Constituições surgiu a partir do século XVIII com as Revoluções Francesa e Americana, essa última com sua respectiva independência em 1776 e, posteriormente, sua Constituição em 1787[38].

Nesse período ficou determinado que o Estado não mais poderia intervir nas liberdades individuais isso em decorrência do Estado liberal ao Estado absoluto existente anteriormente. Demarcou direitos e garantias como: à vida; à liberdade; à propriedade; à liberdade de expressão; à participação política e religiosa; à liberdade de reunião e outros.

Os movimentos sociais do século XIX trouxe à tona o pensar sobre direitos sociais, econômicos e culturais, deste modo, uma transição de cunho individualista para o social que apontava direitos e garantias como: saúde; educação; trabalho; habitação; previdência social; assistência social entre outras[39].

Pós grandes guerras mundiais emerge a necessidade de pensar em novos direitos e garantias para tanto surgem direitos relacionados à paz; à fraternidade; ao meio ambiente; ao progresso etc.

Contemporaneamente fala-se em novos direitos como democracia; pluralismo jurídico; à informação.

Após resumo histórico da conquista de direitos e garantias fundamentais vemos sua importância para a humanidade ao assumir certas características básicas: a imprescritibilidade; inalienabilidade; irrenunciabilidade; universalidade; efetividade e inviolabilidade.

Aqui necessário chamar a atenção à inviolabilidade que é a impossibilidade da não observância dos direitos e garantias fundamentais por atos infraconstitucionais ou de autoridades públicas.

Em seguida a essa explanação abaixo seguem as únicas possibilidades constitucionais de restrições a direitos e garantias fundamentais, que apenas poderão ocorrer em situações excepcionais; por tempo determinado, todos com procedimentos próprios para sua concretização e validade no âmbito jurídico.

2.9.2 Do Estado de Defesa.

Constitucionalmente, o estado de defesa, encontra-se disposto no Art. 136 da CRFB/88 podendo ser acionado por Decreto do Presidente da República, de ofício, mas após ouvido os Conselhos da República e da Defesa Nacional. Pode ocorrer em apenas 2 (duas) hipóteses, quais sejam[40]:

  1. Para preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional;
  2. Bem como quando atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

A implantação desse instituto poderá ser pelo prazo de 30 (trinta) dias, sendo, porém, prorrogável uma única vez por igual período.

No entanto, o surgimento de seus efeitos será imediato; cabe salientar que embora de efeito imediato deverá ser referendado ou não pelo Congresso Nacional por maioria absoluta. Caso não ocorra a aprovação o Estado de Defesa encerrará. Ocorrendo a aprovação as medidas expostas vão surtir os efeitos pelo prazo estabelecido para o Estado de Defesa. Quais os efeitos? Direitos e garantias fundamentais podem ser restringidos como:

I – restrições aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes[41].

Lembrem-se que, para que exista a restrição de direitos é necessário a vivência de uma excepcionalidade.

2.9.3 Do Estado de Sítio.

O Estado de Sítio é outro instituto que pode ser utilizado pelo Presidente da República como meio de garantir o Estado Democrático de Direito e encontra respaldo no Art. 137 da CRFB/88[42].

No Estado de Sítio o Presidente da República após ouvido os Conselhos da República e da Defesa Nacional enviará solicitação ao Congresso Nacional que irá aprovar ou não a aplicação do Estado de Sítio.

Tal medida extraordinária poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

  1. comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
  2. declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Os efeitos que derivam do Decreto que institui o Estado de Sítio pode ser:

 Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

I – obrigação de permanência em localidade determinada;

II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;

III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;

IV – suspensão da liberdade de reunião;

V – busca e apreensão em domicílio;

VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;

VII – requisição de bens[43].

{Grifo nosso}

Trata-se de uma medida extrema em que o Governo Federal ganha precedentes sobre os Poderes Legislativo e Judiciário e sobre as liberdades individuais, tornando um estado de legalidade extraordinária.

Aqui, e somente aqui, na utilização deste instituto é que é cabível restrições a direitos como: o de ir e vir; de reunião; de exercício de atividade labora dentre outras.

Deste modo, não compete aos Governadores e/ou Prefeitos imporem tais restrições, mas sim ao Presidente da República se autorizado pelo Congresso Nacional.

2.9.4 Da Intervenção Federal.

Intervenção federal é a possibilidade de suspensão temporária da autonomia dos estados-membros e/ou municípios. Tal assunto não encontra momento oportuno para debate, pois não condizente com o tema do presente trabalho.

Após a explanação acerca dos institutos acima, restou evidenciado que a utilização deles poderá sim ocorrer, porém, sempre como medidas excepcionais na busca do restabelecimento ou da garantia da normalidade constitucional ameaçada.

As hipóteses que garantem a implementação de tais institutos são taxativas, isto é, não há a possibilidade de intepretações análogas para implementação desses institutos.

No entanto, não é incomum que estados-membros e municípios decretem em seus territórios Calamidade Pública e Estado de Emergência. Tais institutos ganham respaldo legal na Lei nº 12.340/2010[44] e Decreto nº 7.257/2010[45], esse último regulamentando a Lei. Eis a questão!! Podem os Governadores e os Prefeitos, utilizando-se de normas legais restringirem direitos e garantias fundamentais?

2.10 O que diz a Lei sobre estado de calamidade pública.

Falar em Calamidade Pública e/ou Estado de Emergência é direcionar o olhar para dispositivos legais e não constitucionais, ou seja, trata-se de medida legal e não constitucional.

Mas quais os efeitos jurídicos advindos da decretação de Calamidade Pública?

A decretação de Calamidade Pública isenta de responsabilidade o chefe do Poder Executivo quanto ao cumprimento da meta fiscal aprovada. É o que preconiza o Art. 65 da Lei Complementar nº 101/2000[46].

Ademais, uma vez decretado o Estado de Calamidade Pública, o ente federado executará “ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução”, sempre observando o quanto disposto naquela Lei.

Vê-se que os dispositivos legais não apontam especificamente quais são os atos da administração pública podem ser emanados para que possam realizar as ações necessárias à manutenção do estado atual e/ou recuperação do “status quo” em caso de Calamidade Pública. Deste modo, restou mais que evidente que os Governadores e Prefeitos não podem utilizar-se de dispositivos legais para impor restrições a direitos fundamentais constitucionais.

3. CONCLUSÃO

Após explanação histórica da conquista de direitos fundamentais por parte dos cidadãos, sempre dever-se-á levar em consideração a preservação do Estado Democrático de Direito, assim preservando os valores dos diversos grupos da sociedade.

Guardar o Estado Democrático de Direito é manter a ordem jurídica evitando uma crise constitucional onde que poderá ter como consequência a quebra da estabilização constitucional, deste modo, fragilizando as instituições democráticas.

Caso ocorra uma crise constitucional, a CRFB/88 anuncia de forma excepcional a utilização de medidas como o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal os quais possuem como objetivo o restabelecimento da ordem[47].

Pode nestas situações, e somente nelas, haver restrições e suspensões de garantias fundamentais, para tanto possuem como pressupostos de validade a necessidade; a temporalidade e a obediência irrestritas aos comandos constitucionais.

Falar em necessidade é levar em consideração que a situação fática deve possuir uma gravidade tal que encontre respaldo para a implementação das exceções de defesa do Estado e das instituições democráticas.

A temporalidade aponta que as medidas excepcionais de restrições e/ou suspensões somente terão eficácia e validade no período necessário ao restabelecimento da ordem.

Por fim a obediência aos comandos constitucionais denota sobre uma possível responsabilização do agente causador de danos por atos cometidos fora dos preceitos constitucionais.

Vê-se, portanto, que para que ocorram restrições e/ou suspensões de direitos e garantias constitucionais deve-se levar em consideração diversos fatores não devendo ser realizado por qualquer medida, mas sim apenas via exceções previstas na própria CRFB/88 (estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal)[48].

Não é o que se vê na prática quando se observa as medidas adotadas por alguns Governadores e Prefeitos, que alegando estado de calamidade pública, regulada por lei e não pela constituição, extrapolam, regulando “arbitrariamente”, retirando direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Senão vejamos a própria Lei nº 13.979/2020 institui quais as medidas que devem ser adotas, conceituando-as para que não ocorram entendimentos diversos[49]. Observemos:

  1.  “isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas” (…)[50];

A princípio a própria Lei trata sobre as medidas de enfrentamento do COVID-19 apontando isolamento apenas das pessoas que estão doentes ou contaminadas pelo vírus, não abrangendo então, pessoas saudáveis.

  • “quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes” (…)[51];

Quando aborda a quarentena refere a restrição de atividade ou separação de pessoas que estejam contaminadas ou não.

Como o Estado não possui política pública eficaz para examinar todos os cidadãos a fim de separá-los prefere restringir diversas atividades laborais e regiões, inclusive aquelas nas quais não há nenhuma pessoa contaminada.

  • restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos”[52].

Por fim a Lei menciona sobre restrições excepcionais e temporária de entrada no país, mas os Decretos estaduais e/ou municipais restringem inclusive acesso de cidadãos em cidades e estados-membros.

Fica notório que as determinações de Governadores e Prefeitos ferem a própria Lei, mas não ultrapassa apenas o caráter legal mas inclusive a esfera constitucional.

Falar em restrições de direitos fundamentais é direcionar o olhar apenas para a CRFB/88 e esta trata apenas de situações extraordinárias[53].

Conforme o acima exposto, somente nos casos de decretação de Estado de Defesa e Estado de Sítio é que direitos fundamentais podem ser restringidos.

Assim sendo, nos moldes aplicados não podem os estados-membros e os municípios violarem garantias constitucionais e direitos fundamentais do cidadão insculpidos no Art. 5º, da CRFB/88[54] aplicando as inúmeras restrições que estão sendo implementadas, impostas aos cidadãos.

As medidas adotadas por tais entes extrapolam sua competência constitucional.

O conteúdo da concessão da tutela jurisdicional do STF versa apenas sobre a competência concorrente entre os entes da federação em legislar sobre o tema, haja vista, tratar-se de saúde. Em nenhum momento o ilustre Ministro Marco Aurélio deixou claro que as providências normativas e administrativas dos estados-membros e dos municípios possam violar direitos e garantias fundamentais.

Senão vejamos trecho decisivo da decisão judicial:

O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge acolhível o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça inicial, assentando-se, no campo, há de ser reconhecido, simplesmente formal, que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios[55]. {Grifo nosso}

Existe uma interpretação equivocada dos entes federados quanto ao conteúdo da decisão judicial. Vejamos. A medida judicial autorizou estados-membros e municípios a adotarem providências normativas e administrativas para o combate à COVID-19, porém, não autorizou em nenhum momento que eles possam utilizar de medidas coercitivas de restrições de direitos e garantias fundamentais, até porque, segundo a própria Lei nº  13.979/2020 o isolamento social, a quarentena e as restrições de entrada no país deverão ocorrer apenas para as pessoas doentes ou contaminadas[56].

As restrições a direitos fundamentais podem existir, mas, em caráter excepcional e obedecendo os ditames previstos nos Arts. 136 e 137 da CRFB/88 que trata dos temas do Estado de Defesa e do Estado de Sítio, o que não é a situação existente no Brasil[57].

No instituto da Calamidade Pública não há que falar em restrições a direitos e garantias fundamentais, pois tal instituto é ordinário, sendo limitado o seu alcance jurídico, pois inserido no campo de legislação infraconstitucional.

Destarte, devem tais direitos serem garantidos a todos os cidadãos brasileiros, haja vista sua violação ser garantida apenas em situações taxativas e excepcionais. O que se visa é a preservação do Estado Democrático de Direito e a busca pela normalidade constitucional.

Enfim, este trabalho não visa questionar a necessidade ou não de restrições a direitos constitucionais, mas sim apontar que caso a situação atual demonstre a necessidade de restrições de direitos e garantias fundamentais constitucionais que sejam estas realizadas por meio do Estado de Defesa ou Estado de Sítio e não por Estado de Calamidade Pública, conforme determina a CRFB/88[58] e não pelos mecanismos que estão sendo utilizados atualmente.

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[1] OPAS BRASIL. S/A. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Brasília, 25 maio 2020. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em 26 mai. 2020.

[2] Idem.

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[4] OPAS BRASIL. S/A. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Brasília, 25 maio 2020. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em 26 mai. 2020.

[5] Idem.

[6] OPAS BRASIL. S/A. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Brasília, 25 maio 2020. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em 26 mai. 2020.

[7] GIRARDI, Giovana. OMS declara pandemia de novo coronavírus; mais de 118 mil casos foram registrados. Estadão, São Paulo, 11 março 2020. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,oms-declara-pandemia-de-novo-coronavirus-mais-de-118-mil-casos-foram-registrados,70003228725. Acesso em: 02 mai. 2020.

[8] Idem.

[9] CARDIM, Maria Eduarda. Coronavírus chegou em janeiro ao Brasil, informa Ministério da Saúde. Correio Braziliense, Brasília, 02 abril 2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/04/02/interna-brasil,842013/coronavirus-chegou-em-janeiro-ao-brasil-informa-o-ministerio-da-saude.shtml. Acesso em: 15 mai. 2020.

[10] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[11] BRASIL. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus: promulgada em: 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[12] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[13] BRASIL. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus: promulgada em: 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[14] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[15] Idem.

[16] BRASIL. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus: promulgada em: 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[17] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[18] Idem.

[19] BRASIL. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus: promulgada em: 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[20] STF. S/A. Adi 6341. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 23 março 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 20 mai. 2020.

[21] BRASIL. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus: promulgada em: 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[22] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[23] STF. S/A. Adi 6341. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 23 março 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 20 mai. 2020.

[24] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[25] STF. S/A. Adi 6341. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 23 março 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 20 mai. 2020.

[26] STF. S/A. Adi 6341. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 23 março 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 20 mai. 2020.

[27] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[28] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[29] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[30] Idem.

[31] Idem.

[32] Idem.

[33] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 12ª ed. Salvador, Juspodvw, 2020.

[34] Idem.

[35] Idem.

[36] Idem.

[37] Idem.

[38] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2017.

[39] Idem.

[40] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[41] Idem.

[42] Idem.

[43] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[44] BRASIL. Dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de resposta e de recuperação em áreas atingidas por desastres e sobre o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil; e dá outras providências: promulgada em: 1º de dezembro de 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12340.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[45] BRASIL. Regulamenta a Medida Provisória no 494 de 2 de julho de 2010, para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências: promulgada em: 4 de agosto de 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7257.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[46] BRASIL. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências: promulgada em: 4 de maio de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[47] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[48] Idem.

[49] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[50] Idem.

[51] Idem.

[52] Idem.

[53] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[54] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[55] STF. S/A. Adi 6341. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 23 março 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 20 mai. 2020.

[56] BRASIL. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: promulgada em 6 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm. Acesso em: 20 mai. 2020.

[57] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017.

[58] Idem.

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