sexta-feira, 23 de março de 2018 às 19h39
Natal (RN) – O sétimo painel da II Conferência Nacional da Jovem Advocacia debateu o ativismo judicial, na tarde desta sexta-feira (23), em Natal. O presidente da mesa foi o vice-presidente da Comissão Nacional da Advocacia Jovem, Paulo Raimundo Lima Ralin, tendo como secretário Tomás Ribas, do Rio de Janeiro, e relator, Rafael Targino, da Paraíba. Os palestrantes foram os conselheiros do CNJ Valdetário Monteiro e André Godinho, assim como o advogado criminalista André Perecmanis.
Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Valdetário Monteiro abordou em sua palestra os perigos que se escondem no ativismo judicial. Para introduzir o assunto, explicou que dois pontos específicos levaram a este ponto de ativismo: a explosão do número de cursos de direito no país no período posterior à Constituição de 1988 e a própria Carta, que apresentou uma série de direitos e garantias ao cidadão, que antes nem acesso à Justiça tinha garantido.
O grande problema, atualmente, é a invasão de competências de um poder sobre o outro, ferindo a independência entre eles, segundo Monteiro. “A atividade do Judiciário deixa de ser a judicialização e passar a ser algo mais complexo”, afirmou. “Quando o Judiciário substituiu o Legislativo, isso nos traz muita insegurança, porque o nosso maior apego é a lei e a norma.”
Sobre o papel do advogado, segundo Monteiro, resta uma responsabilidade ainda maior, pois o Judiciário só exercerá sua função magna se instada pela mão de um advogado ou de uma advogada. “Deixo uma reflexão em face deste grande ativismo em face de nosso exercício profissional: que advocacia queremos junto ao Judiciário? O fato de imaginarmos um Poder Judiciário que pode tudo é sempre reflexo de uma análise equivocada”, afirmou.
“O ativismo judicial, no primeiro momento, pareceu muito bom. No entanto, a substituição de poderes pelo Judiciário, além de contrariar a Constituição, traz instabilidade jurídica em confronto com as próprias normas. E há um perigo ainda maior: quando Judiciário se junta ao Ministério Público, que tem poder de peticionar, o risco social é ainda maior. Precisamos de clareza e tranquilidade para ver as possibilidades de inovação das decisões judiciais, mas com atenção em decisões que contrariam o limite especifico da norma”, finalizou.
Em sua palestra, o conselheiro do CNJ André Godinho trouxe quatro pontos para o debate sobre ativismo judicial: a judicialização contra o ativismo judicial; o papel do STF e das cortes constitucionais que justificam o ativismo do Poder Judiciário; as particularidades que contribuem para o ativismo judicial; e as objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira. “Temos uma Constituição rígida, mas que já tem 106 emendas. Enfrentamos excesso de judicialização. A porta de entrada é muito larga, e porta de saída muito estreita. A cada demanda que chega, o Judiciário se sente na necessidade de garantir esse direito, então muitas vezes invade seara de legislador”, explicou.
Sobre quando o ativismo judicial pode ocorrer, Godinho esclareceu que é quando a Constituição é aplicada diretamente a situações não expressamente contemplada no texto, assim como quando é declarada a inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos do que os de patente e ostensiva violação da Constituição. Também, quando são impostas condutas e abstenções, notadamente em matérias de políticas públicas, como na distribuição de remédios, por exemplo.
No papel do STF e de cortes constitucionais, Godinho ressaltou que elas atuam de três maneiras no ativismo judicial: contramajoritária, representativo e iluminista. Também abordou as particularidades que contribuem para o grande ativismo judicial no país: a ampla legitimação para ações de controle de constitucionalidade perante o STF, a possibilidade de convocação de audiências públicas pelos ministros e a transmissão ao vivo dos julgados da corte. o fim da palestra, Godinho apresentou as objeções quanto ao ativismo judicial, principalmente o risco para a legitimidade democrática, já que membros do Judiciário não são eleitos, assim como o risco de politização da Justiça.
“Concluindo, o Judiciário é o guardião da Constituição Federal e deve fazê-la valer em nome da concretização dos direitos fundamentais e do princípio democrático, inclusive em face dos outros Poderes. O ativismo, nesse contexto, se dará a favor e não contra a democracia. Até aqui, o ativismo judicial tem sido usado como parte da solução e não do problema. Mas seu uso deve ser feito de forma parcimoniosa e controlada, e não em substituição ao maior problema que atualmente aflige a democracia brasileira, qual seja, a crise de legitimidade e de representatividade da classe política. Essa falta de legitimidade se resolve com uma profunda e amplamente discutida reforma política, que não pode ser feita por juízes”, finalizou.
O advogado criminalista André Perecmanis foi o último palestrante do painel e classificou o ativismo judicial como um dos temas mais importantes do direito hoje em dia. “Vivemos um ativismo que vai muito além do que se poderia imaginar como concebível. Na área criminal, o ativismo tem se feito mais presente, marcante e perigoso. O grande problema do ativismo é que a jurisprudência dos tribunais superiores vem buscando soluções fora do processo”, afirmou.
Na área criminal, frisou Perecmanis, o ativismo se manifesta não apenas no aspecto material do preenchimento da norma, mas também no processual. “Estamos todos cansados de impunidade, mas o problema está na soluções que se apresenta, e nelas o ativismo se mostra mais perigoso. Os processos são muito lentos. Temos processos demais para juizes de menos. Isso leva à ausência de decisões e a sensação de impunidade. Com isso vem a restrição de recursos e direitos. Temos identificação de um problema, mas apresentação de resoluções equivocadas”, lamentou.
O advogado também criticou a atuação do Supremo Tribunal Federal, que, segundo ele, tem reescrito as normas. Ele citou como exemplos a mudança no entendimento sobre os prazos para prescrição e o início do cumprimento da pena. “O STF, vendo que a lei não atende às ânsias da sociedade, tenta mudar a interpretação da lei”, disse. “Ativismo judicial não é um fenômeno por si só ruim. porque o legislador não tem como prever o futuro, e pode trazer benefícios na interpretação das normas, mas deve ser visto com muita cautela em termos criminais, Judiciário não pode ser a ponta de lança no combate à criminalidade, mas é isso que vem ocorrendo”, explicou.
“É importante que não sucumbamos à facilidade do discurso contra impunidade, contra os direitos humanos. É pueril imaginar que advogado criminalista, que luta pela defesa de liberdades individuais, é a favor de criminalidade e de bandidagem. Não gosto quando elas vêm do Estado tampouco. Essa é a razão de ser do direito penal: existe como forma de limitar poder punitivo do Estado, porque todo Estado é opressor e vai tentar invadir liberdades individuais. Quando garantimos ao pior dos inimigos que ele terá um processo justo, garantimos isso para todos nós. Se hoje se abre a porta para o desrespeito às liberdade de alguém que a gente não gosta, essa porta estará aberta para nós amanhã”, finalizou, sendo muito aplaudido.
Ao final do painel, o presidente da OAB Jovem do Rio de Janeiro, Tomás Ribas, prestou uma homenagem à vereadora Marielle Franco, executada no RJ. “Marielle é um símbolo, uma mulher negra e da periferia, que agia por pessoas negras e da periferia. A jovem advocacia estará na ponta de lança por uma sociedade melhor”, afirmou.
Fonte: oab.org.br
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