Por Herval Sampaio e Márcio Oliveira
Temos visto nos últimos tempos uma discussão intensa na sociedade acerca do papel do Juiz, havendo um clamor público por uma justiça a qualquer custo, transferindo ao Juiz e ao Poder Judiciário uma responsabilidade que não é deles, já que o seu papel dentro do estado democrático de direito não é esse de justiceiro, mas o de conhecer e fazer com que a lei seja efetivada nas diferentes demandas que lhes chegam para cumprimento de seu mister funcional.
Tanto o é verdade que existe essa cobrança, que quando um Magistrado age fora da premissa da legalidade, há inúmeras manifestações acusando-o de ativista político, de querer ser legislador positivo e de exorbitar o papel que lhe cabe na estrutura estatal.
Realmente, a sociedade é contraditória!
É obvio que à massa social, pela sua composição eclética e diversificada, permite-se a confusão quanto às responsabilidades do poder judiciário, e mesmo do seu próprio papel dentro do corpo social.
Contudo, aos homens públicos não é permitido que se faça tal confusão!
Especialmente o Poder Judiciário e seus membros, a quem a Constituição Federal outorgou a incumbência de fazer garantir a sua aplicação e obediência, e, especialmente, de impedir que o Estado arbitrariamente viole as garantias de toda a sociedade, não pode deixar de aplicar a lei brasileira quando houver necessidade e mesmo ante o clamor social deve resguardar a sua aplicação para que o ordenamento jurídico e suas regras sejam sempre obedecidas e para que todos possam ter sempre a certeza de que poderão recorrer a esse Poder, isento, imparcial, quando houver violação ou ameaça de violação de seus direitos.
Tem-se que o processo judicial nada mais é, nesse contexto, do que um instrumento limitador de possível arbítrio de quem quer que seja, inclusive o próprio Estado, o qual, infelizmente, é reincidente violentador das próprias regras por si criadas.
Nesse cenário esquizofrênico, cabe aos operários do Direito não instigarem o descumprimento da legalidade, pois esta é a maior garantia dentro de um estado democrático de direito, em que a vontade do povo, expressa por seus representantes no Poder Legislativo por meio da Constituição e das leis infraconstitucionais que lhes são adequadas, possa prevalecer sempre, não sendo admitido que a vontade pessoal de quem quer que seja, possa prevalecer em detrimento da ordem constitucional vigente.
Na semana que passou vimos o caso em que o Juiz foi execrado publicamente porque colocou em liberdade um homem com nítidos problemas psiquiátricos que ejaculou em uma mulher dentro do ônibus, em estrita observância da legislação penal/processual penal brasileira, já que, mesmo repugnando o ato nojento e asqueroso, aquela ação, em tese, caracterizaria somente uma contravenção penal, e não crime de estupro ou outro qualquer como pretende a massa social (http://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2017/09/decisao-de-soltar-homem-que-ejaculou-em-mulher-revolta-famosos.html).
E para piorar a situação e com certeza o acirramento das críticas, o referido homem foi pego novamente dentro do ônibus, mostrando o pênis para outra mulher e mais uma vez foi preso, na realidade com este novo fato, já se registra dezessete passagens do mesmo nas delegacias de São Paulo (http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/homem-e-preso-suspeito-de-ato-obsceno-contra-mulher-em-onibus-3-caso-em-sp.ghtml).
As críticas à soltura por parte do juiz após a realização da audiência de custódia foram tão grandes nas redes sociais e na imprensa, que a APAMAGIS (Associação Paulista de Magistrados) teve que emitir nota repudiando o ataque ao Magistrado, assim como ao Promotor que emitiu parecer também pela soltura, justamente por não ter vislumbrado a tipicidade do fato ocorrido ao que se encontra previsto na legislação como crime.
Cabe as indagações:
O Promotor e o Juiz poderiam em suas respectivas peças enunciar subjetivamente o que estavam sentindo e, por conseguinte, manterem o indiciado preso?
E quanto a essa nova conjuntura em que mais uma vez o homem é preso praticamente pela mesma conduta, em tese, ainda não se amoldando ao tipo penal do estupro?
Não entraremos aqui no mérito em si do caso trazido à tona e nem muito menos emitir mais um posição subjetiva a ele e sim discutir, sob o enfoque democrático, se o Juiz e os demais operários do direito têm liberdade de agir segundo a sua consciência e o que reputam como justo particularmente, em detrimento do que está expressamente previsto na legislação aplicável ao caso, e mesmo, quais os limites da interpretação possível ante um caso como o que trazido à discussão como pano de fundo.
Pensamos e afirmamos expressamente que não é possível, que o intérprete e/ou aplicador da lei possa exorbitar os limites previstos na própria norma para a sua atuação, até mesmo porque essa limitação do Estado, representado no ato pelo Magistrado e pelo Representante do Ministério Público, constitui-se em elevada garantia a todos os indivíduos, quando qualquer deles se ver envolvido em situações nas quais a própria comunidade, por meio da opinião pública, lhe pede a cabeça sem que haja uma única prova sequer contra si ou quando os indícios, a despeito de não constituírem provas inequívocas, teimam por apontar a pessoa como o autor de determinado fato, mesmo sem tê-lo feito, ou que venha posteriormente a ser provada a sua inocência.
A decisão do Juiz, em alguns casos, limita a própria vontade espontânea do povo e o clamor popular, quando estes não tiverem respaldo na Constituição e/ou na legislação, que são os instrumentos orientadores da atuação do Estado-Juiz, ou, por outro lado, quando a opinião pública quer que se tenha como criminoso algo que claramente o legislador não previu como tal.
Isso nada mais é do que ônus de se viver em um estado de direito.
Trazendo a discussão para o direito eleitoral e o processo das eleições, pode-se relatar inúmeros casos em que o clamor popular exigem que a Justiça Eleitoral adotem atitudes determinadas e severas quando não há qualquer previsão de repercussão da ação delituosa para a qual se pede punição exemplar.
Prestação de contas eleitorais
Certamente a área do direito eleitoral que mais se ouvem reclamações quanto a uma suposta inanição da Justiça Eleitoral é no que diz respeito às prestações de contas dos candidatos e partidos políticos.
Durante o pleito e logo após ele, quando as contas dos candidatos e partidos políticos são recebidas pela Justiça Eleitoral e analisadas pelos técnicos responsáveis, sempre se tem uma impressão de que vivemos em um mundo de faz de contas, mundo este cheio de regras e normas proibitivas, mas que deixam muito a desejar no que diz respeito à veracidade das informações que chegam até os órgãos do judiciário (http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/134-artigotre).
São informações sobre arrecadação e gastos que aparentam ser flagrantemente longe da realidade do que se viu nas ruas durante o pleito, notícias e denúncias de todos os lados acerca de supostas irregularidades quanto a despesas e gastos realizados, especialmente pelos candidatos vencedores, que não foram devidamente registradas, clamando o senso comum que a Justiça intervenha para coibir os abusos ocorridos, coisa e tal.
Entretanto, além dos próprios mecanismos implementados pela Justiça Eleitoral ao longo dos anos com a finalidade de dar moralidade à prestação de contas, não chega aos autos quaisquer provas idôneas que possam ser consideradas para que se configure uma irregularidade, nem mesmo após o instituto da impugnação das contas instituído pelo Tribunal Superior Eleitoral a partir das Eleições Gerais de 2014 por meio da Resolução nº 23.406/2013, repetida na Res. TSE nº 23.423/2015 para as Eleições Municipais de 2014, teve o condão de trazer informações externas de forma consistente que pudessem contribuir com o processo de moralidade das prestações de contas, porque os críticos da Justiça Eleitoral, não se mobilizam para levar até ela denúncias, informações, impugnações, preferindo reclamar nas redes sociais, blogs, portais e na própria imprensa, ao invés de utilizar os meios legais disponíveis para fiscalizar e possibilitar punição aos infratores.
O famigerado “Caixa Dois” de campanhas eleitorais, ainda não possui qualquer dispositivo de lei que o enquadre explicitamente como ilícito de natureza criminal eleitoral, valendo-se o Ministério Público Eleitoral da interpretação de outros tipos penais previstos do Código Eleitoral para tentar enquadrar tal conduta como crime eleitoral, tais como os arts. 350 e 353 (abaixo transcritos), para que simplesmente não fique totalmente impune.
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa, se o documento é particular.
Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 348 a 352:
Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.
Impune? Perguntaria o mais afoito! Não bastaria desaprovar as contas e impedir o “criminoso” de ser diplomado e de exercer o mandato?
Eis aí o segundo ponto que estarrece qualquer cidadão que tenta compreender o processo de prestação de contas nas eleições brasileiras: por incrível que pareça, por mais grotesco que seja, não há qualquer previsão de penalidade decorrente da desaprovação das contas de campanha em si, podendo o processo servir como prova para outros processos que venham a demandar a cassação, do registro ou do diploma, tais como Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE – Art. 22, da LC nº 64/90), a Representação prevista no Art. 30-A da Lei Eleitoral e a Ação de Impugnação do Mandato Eletivo (AIME – Art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal), cujos prazos decadenciais permitem o ingresso até o prazo fatal de quinze dias após a diplomação dos eleitos na respectiva eleição.
Imagine aí que a desaprovação das contas eleitorais de um determinado candidato, julgada após o prazo decadencial acima mencionado, ficará sem qualquer repercussão na esfera jurídica do mesmo, sem qualquer sanção mesmo, sem nenhuma implicação, nem mesmo para futuras candidaturas, além do próprio registro da desaprovação em si e da possibilidade de utilização política do fato por seus adversários?
É sério? Que judiciário temos que vê e não coíbe isso?
É o judiciário que vê a situação, mas é refém da legislação, que, elaborada pelos nossos congressistas, trabalha incessantemente para não aplicar sanções que decorram da rejeição das contas eleitorais. Ressalte-se que quando o TSE procurou dar interpretação ao conceito de quitação eleitoral, incluindo aí a regular prestação de contas, interpretação essa que impedia, ao menos, o candidato que tivesse suas contas desaprovadas de concorrer no pleito seguinte, foi imediatamente aprovado e inserido na Lei das Eleições o §7º, art. 11, da Lei nº 9.504/97, o qual restringiu, no aspecto da prestação de contas, que a quitação eleitoral abrange exclusivamente a “apresentação das contas eleitorais”, tornando sem qualquer efeito a interpretação que vinha sendo dada pela Justiça Eleitoral.
Art. 11 – § 7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.
Ora, em não havendo previsão legal de impingir sanção a candidato que não tenha suas contas desaprovadas, não pode o Juiz Eleitoral decidir por aplicar qualquer delas, ainda que sob forte comoção popular, já que as normas restritivas de direitos tem que ser interpretadas de forma também restritiva, não podendo o Magistrado aplicar penalidade quando a lei não a prevê. Tem-se, claramente, a hipótese aventada desde o início do presente artigo, onde defendemos que não pode o julgador decidir ao arrepio da lei, sendo responsabilidade do legislador, a quem a Constituição atribuiu competências para tanto, legislar e fazer incluir no ordenamento jurídico sanções que possam decorrer da desaprovação das contas.
Ressalte-se que a Procuradoria-Geral da República pleiteia junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADI nº 4.899, que seja dada interpretação conforme à Constituição ao dispositivo da Lei Eleitoral transcrito acima, para que o termo “apresentação de contas de campanha eleitoral” seja interpretado em “consonância com os preceitos constitucionais, para o fim de impedir que aqueles que tenham suas contas desaprovadas pela Justiça Eleitoral obtenham certidão de quitação eleitoral”, o que permitiria o impedimento de concorrer aos pleitos subsequentes os que vierem a ter suas contas desaprovadas. Distribuída a relatoria do para o Ministro Luiz Fux, o mesmo despachou no sentido de que a matéria não poderia ser decidida em caráter liminar, mas somente com julgamento de mérito, estando o feito sem movimentação desde 08/10/2015.
Enfim, não se pode exigir e cobrar do judiciário que dê efetividade a sanções em decorrência das prestações de contas eleitorais quando tais sanções não possuem amparo legal.
Propaganda Eleitoral
Outro ponto que muito se discute é a questão da propaganda de candidatos e partidos políticos, quando se pede uma atuação ostensiva da Justiça Eleitoral com a finalidade de se aplicar sanções a supostos infratores, quando não há qualquer previsão para tanto e, muitas vezes, nem mesmo o ato se torna irregular se houver a cessação das ações tidas por incorretas.
Veja-se o exemplo dos veículos de som que circulam de forma regular, em locais onde não há proibitivo, dentro das especificações contidas na legislação. Muitas vezes a população de determinado bairro ou conglomerado pleiteia que a Justiça Eleitoral coíba de forma exemplar tal “disparate”, pois isso incomoda a comunidade.
Ora, se não houver infração às normas eleitorais ou de outra norma que deveria ser obedecida pelos veículos, não pode o Juiz Eleitoral determinar a cessação da propaganda eleitoral. Ao contrário, a própria legislação cuidou de reprimir o exercício do poder de polícia atribuído ao juiz eleitoral nesses casos, mencionando expressamente que “a propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal” (art. 41, caput, da Lei das Eleições)
Mais ainda, mesmo em sede de processo próprio para a apuração e aplicação de sanção por propaganda irregular, há que ser demonstrada a autoria ou o prévio conhecimento do candidato, sob pena de que a mesma seja julgada improcedente em relação a este, conforme estabelecido no art. 40-B, da Lei nº 9.504/97, transcrito abaixo:
Art. 40-B. A representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável.
Parágrafo único. A responsabilidade do candidato estará demonstrada se este, intimado da existência da propaganda irregular, não providenciar, no prazo de quarenta e oito horas, sua retirada ou regularização e, ainda, se as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda.
Também é o caso da realização de eventos públicos no período eleitoral ou mesmo a distribuição de material nas ruas das cidades, quando parte da população local reclama e exige uma cessação de determinados atos de propaganda, quando, em verdade, a legislação, da mesma forma que no exemplo anterior, prevê justamente o contrário, já que a veiculação de propaganda eleitoral por meio de folhetos, adesivos, volantes e outros impressos independe de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral, conforme art. 38, da Lei das Eleições. Também prevê a legislação que não depende de licença a realização de qualquer ato de propaganda em recinto aberto ou fechado, bastando que haja a comunicação à autoridade policial para que seja garantida a realização do ato e o funcionamento do tráfego e dos serviços públicos que o evento possa afetar (art. 39, da Lei das Eleições).
Art. 38. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outros impressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido, coligação ou candidato.
[…]
Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.
§1º O candidato, partido ou coligação promotora do ato fará a devida comunicação à autoridade policial em, no mínimo, vinte e quatro horas antes de sua realização, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra quem tencione usar o local no mesmo dia e horário.
§2º A autoridade policial tomará as providências necessárias à garantia da realização do ato e ao funcionamento do tráfego e dos serviços públicos que o evento possa afetar.
[…]
Portanto, em nosso sistema constitucional/legal, o que vige é o princípio da liberdade de propaganda, não sendo lícito ao Poder Judiciário criar restrições onde a lei não a prevê, não podendo, ainda que sob o clamor popular, deixar de atender aos ditames legais sem que haja fundamento legal para amparar sua decisão.
Muitos tem gritado à Justiça Eleitoral que atue para impedir que o ex-Presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados promovam as manifestações que se tem vistas nos últimos dias pelo Nordeste do País, ao argumento de que se trata de propaganda eleitoral deslavada, que mereceria uma forte repreensão do poder judiciário.
Ledo engano! Sem adentrar em maiores detalhes da polêmica, polêmica que estaremos enfrentando em artigos que serão publicados em breve, temos que não há proibitivo geral de que se façam reuniões nesse período com o intuito de promover pessoas que se colocam como pré-candidatos, como assim foi extensivamente debatido por nós quando da publicação da Lei nº 13.165/2015, que alterou a legislação eleitoral antes das Eleições Municipais de 2015 (Aspectos polêmicos da chamada propaganda eleitoral antecipada – Parte I, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte II, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte III, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte IV, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte V, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte VI, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte VII, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte VIII, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte IX, Aspectos controvertidos da propaganda antecipada para as Eleições 2016. Parte final).
Essa constatação aqui exposta, por óbvio, não impede que aqueles que entenderem ilegais os eventos realizados pelo ex-Presidente Lula possam ingressar em juízo argumentando exatamente o que deve ser considerado como ilegal ou abusivo, apresentando provas e alegações que possam fundamentar seu pleito, e assim, acaso haja infração às normas eleitorais conforme entendimento da Justiça Eleitoral, coisa que de pronto entendemos que não existe por si só, possam ser adotadas as medidas necessárias para que sejam coibidos.
Conclusão
Tudo o que expomos no presente artigo somente pode nos levar à conclusão de que o Juiz não poderia na situação posta inicialmente, sem adentrar no mérito em si dos fatos contidos no processo já que não tivemos acesso ao que está nos autos, manter preso uma pessoa envolta em conduta caracterizadora de contravenção penal, ao argumento de que a conduta do mesmo é nojenta e asquerosa, adequando-a a um tipo penal de natureza grave, quando a situação, à luz da legislação vigente, não se configura como tal, já que o Magistrado, no exercício de seu mister público, não pode se quedar ante ao clamor da opinião público, devendo estar isento de tal influência ao proferir seu julgamento, posto ser escravo da Constituição que rege nossa vida sob o crivo do Estado de direito.
O Juiz é somente a pessoa física que exerce o cargo público, que presenta o Estado Juiz, logo, como a decisão não é sua e sim do Poder Público, não deve fazer valer nela a sua vontade pessoal, independentemente da repercussão social negativa que a sua obrigação lhe impõe, mas deve sim, cumprir a Constituição Federal e as leis consideradas constitucionais, sempre como garantia de limitação da própria atividade estatal, que deve ser controlada, sendo a lei no sentido amplo o seu referencial, da qual não pode destoar, sob pena de colocar em xeque o próprio Estado Constitucional Democrático de Direito.
Da mesma forma como nos inúmeros exemplos trazidos da legislação eleitoral, impede-se que o Poder Judiciário possa agir como muitas vezes é cobrado, recebendo e carregando uma responsabilidade que não é sua, quando a sociedade lhe cobra uma atuação enérgica e a legislação lhe impõe justamente o contrário, que aja com parcimônia e decida em contrário ao clamor popular.
Não é de todo mencionar que pelo nosso sistema Constitucional é o povo que tem a responsabilidade de elaborar as leis, e o fazem por meio dos deputados federais e senadores eleitos, na esfera federal, dos deputados estaduais na esfera estadual e distrital e dos vereadores na esfera municipal, cabendo a cobrança que hoje se faz ao Poder Judiciário a tais representantes do povo, para que os mesmos, cada um em sua esfera de atuação e de competência, estabeleçam marcos legais que possibilitem a atuação judicial, sem a qual se torna inócua qualquer cobrança como as que se tem feito hoje.
Não se pode conceber que haja um poder judiciário que esteja acima da própria legislação, muito menos dos ditames constitucionais, sob pena de verem-se violados direitos e garantias dos indivíduos de forma flagrante, a qualquer momento, sem que se tenha mais a quem recorrer, pois se o poder judiciário, aquele a quem o ordenamento jurídico concede a competência para analisar os conflitos existentes, se quedar à opinião pública e ao clamor social, há que serem instalados tribunais e juízes de exceção, e flexibilizadas as garantias e direitos individuais e coletivos comprejuízos inegáveis a todos.
Ressalte, por fim, que não se está aqui a criticar a manifestação livre e consciente das pessoas, garantia essa também prevista na Constituição Federal a todos os indivíduos dentro do território brasileiro e que consideramos inviolável e insucetível de restrição em sentido amplo, mas havemos que nos posicionar também de forma veemente e no exercício dessa mesma liberdade, quando ocorrem excessos que demandam solidariedade a profissionais que possuem a magistratura como um sacerdócio e uma forma de promoverem uma sociedade mais justa, ainda quando a injustiça sejam oriundas dos demais poderes do estado.
Decerto que o caso concreto com todas as circunstâncias que o envolvem podem demandar medidas outras que possam, no caso do sujeito envolvido no caso narrado no início, a ter sua liberdade privada, fato que não discutimos nem discutiremos, justamente por que cabe ao juiz natural da causa, garantia que é dada ao indivíduo, sopesar, à luz das normas incidentes, os valores que se colocarem em conflito, proferindo a sua decisão de forma a compatibilizar a melhor interpretação de todos os princípios e normas que puderem estar aplicados na situação concreta.
Fonte: novoeleitoral.com
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