Go to Top

Causas de pedir, vazamentos no banheiro e o som da bateria.

Por Fernando Neisser

A discussão jurídica por trás da decisão do TSE não é trivial. Uma melhor compreensão pode, se não afastar as críticas à corte, ao menos colocá-las nos devidos termos.

A questão gira em torno de quatro conceitos do processo, aplicados ao Direito Eleitoral: decadência, pedido, causa de pedir jurídica e causa de pedir fática.

Decadência é o prazo que você tem para exercitar um direito. Se ele passar sem que você se movimente, deixa de existir aquele direito. Assemelha-se à prescrição, mas é ainda mais absoluta. No caso do TSE, a decadência para questionar as eleições era de 15 dias depois da diplomação, início de janeiro de 2015.

Pedido é aquilo que quero que a Justiça me entregue quando entro com uma ação. No nosso caso: cassação da chapa, decretação da inelegibilidade de Dilma e Temer por oito anos e que se desse posse a Aécio.

Causa de pedir jurídica é o fundamento legal que uso para pedir o que peço. A resposta à seguinte pergunta: o que te dá o direito ao seu pedido? Na questão da chapa, a causa de pedir jurídica é o art. 22 da Lei Complementar 64/90, que proíbe o abuso de poder econômico.

Causa de pedir fática é a história. O que aconteceu para que você ache que aquele artigo lhe dá direito a ser atendido o seu pedido. É aquilo que você conta na petição inicial.

Um exemplo pode ajudar.

Imaginemos que eu entre com uma ação contra meu vizinho do andar de cima, pedindo indenização por dano moral, em razão de um vazamento no teto do meu banheiro, que muito me incomoda.

O pedido, aqui, é uma indenização por dano moral.

A causa de pedir jurídica é o art. 186 do Código Civil, que tem a seguinte redação:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

A causa de pedir fática é o vazamento e o incomodo que me causou.

Sigamos imaginando que ao longo do processo o juiz mandou o perito na minha casa.

Mas a conclusão dele foi a seguinte: o vazamento não é culpa do vizinho, já que vem de dois andares acima. Entretanto, fazendo a perícia ele percebeu que o vizinho toca bateria o dia todo, tornando insuportável viver no apartamento de baixo.

O juiz, então, julga a ação procedente, condenando ao pagamento de indenização, mas apenas pelo incômodo causado pelo barulho.

A situação é absurda, certo? Já que não era essa a história que embasou minha ação.

O pedido era o mesmo: indenização por dano moral.

A causa de pedir jurídica também: o mesmo art. 186 do Código Civil.

Mas a causa de pedir fática se alterou no meio do processo: vazamento x barulho da bateria.

Voltando ao TSE, vimos questão semelhante.

Fux e Herman insistiram que não houve alteração da causa de pedir, já que o que se descobriu também era abuso de poder econômico.

O problema é que abuso de poder econômico é só a causa de pedir jurídica. Assim como o artigo que diz que quem causa dano moral a outra pessoa, deve indenizar.

Mas a causa de pedir fática, a historinha contada, era outra. Na inicial, contava-se que empreiteiras pegavam o superfaturamento de contratos com a Petrobras e, a título de propina, faziam doações oficiais, por dentro, no caixa 1 da chapa Dilma/Temer.

Isso não se comprovou. Ponto.

Mas surgiram outras graves ilegalidades. A principal, o pagamento de quantias absurdas de dinheiro por empreiteiras, pelo caixa 2. E esse dinheiro não vinha de contratos com a Petrobras, mas de outras fontes.

É outra história. Uma é o vazamento, outra o barulho da bateria.

Aqui entra a decadência.

Quando se descobriu isso, já não havia tempo para entrar com uma nova ação. A Constituição fixa em 15 dias da diplomação esse prazo.

Daí a impossibilidade de simplesmente aditar a ação em andamento para ampliar seu objeto.

Ah, mas foram descobertas questões muito graves? Tudo tem que virar pizza então?

Não. Esses comportamentos também constituem crimes. Muitos deles já em andamento.

Dilma tem inquéritos contra si, Temer terá assim que sair da presidência (não pode ser processado por fato anterior ao mandato, mas tampouco corre a prescrição enquanto está com essa imunidade temporária).

Apenas não se pode punir essas condutas, via Justiça Eleitoral, com cassação/inelegibilidade.

Pode parecer que meros detalhes menores servem só para atrapalhar a aplicação da “Justiça”. Mas não é bem assim.

Sem garantias de que a regra do jogo será seguida, não há segurança, nem vida possível em comunidade. É um dos nossos maiores avanços desde o Iluminismo, chama-se Estado de Direito, proteção ao devido processo.

Por vezes nos gera frustração, mas é o que impede sermos surpreendidos, por exemplo, condenados por algo de que não havíamos sido acusados.

Fonte: novoeleitoral.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *