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Rodrigo Maia não pode deliberar sobre denúncia contra Michel Temer.

Por Pedro Melo Pouchain Ribeiro
O atual contexto em que se insere a política nacional está vinculado à iminente deliberação pela Câmara dos Deputados, presidida por Rodrigo Maia, que decidirá a admissibilidade da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, por corrupção, em desfavor do presidente da República, Michel Temer.

Havendo autorização pela Câmara para o processamento da denúncia e com o recebimento desta pelo Supremo Tribunal Federal, Michel Temer será afastado de suas funções por expressa determinação constitucional. E, consequentemente, seria o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, quem assumiria a Presidência da República, já que a vice-presidência da República está vaga.

Nesse contexto, surge uma indagação de alta relevância: poderá Rodrigo Maia participar do julgamento da Câmara dos Deputados que decidirá se a acusação pode ou não ser admitida?

Apesar de não haver solução no texto constitucional, a resposta à indagação pode ser encontrada nos princípios constitucionais que estruturam o sistema de responsabilização do presidente da República, em especial, no que toca ao controle político exercido pelo Poder Legislativo.

É importante voltarmos os olhos às origens do sistema, devendo reconhecer a influência da prática constitucional dos Estados Unidos na temática. Afinal, foi por lá que se idealizou tanto o presidencialismo como o respectivo sistema de responsabilização do presidente da República por controle político do Poder Legislativo — dando, inclusive, a roupagem contemporânea ao procedimento inglês do impeachment.

Desta maneira, a história norte-americana deve servir de estímulo para incutir a reflexão sobre as origens e desafios do sistema, auxiliando para o melhor trato de nossas controvérsias. Regressemos então ao ano de 1868, durante o processo de impedimento do presidente Andrew Johnson. Nesta ocasião, surgiram intensos debates relacionados à participação de parlamentar, com aparente conflito de interesses, no julgamento do referido impeachment.

Andrew Johnson era o vice-presidente da chapa do presidente eleito Abraham Lincoln e, após o assassinato deste, em 1865, assumiu a presidência dos Estados Unidos. Como a presidência do Senado norte-americano fica a cargo do vice-presidente da República, e com a vacância deste, o Senado indicou Benjamin Flanklin Wade para funcionar como seu presidente interino.

E, com o impeachment de Johnson em curso, seria exatamente este senador quem conduziria a respectiva sessão de julgamento. Assim, acaso Johnson viesse a ser condenado pelo Senado, seria o próprio senador Benjamin F. Wade, como presidente interino do Senado, quem assumiria a presidência da República.

Nos Estados Unidos, de acordo com o art. 1º, Seção 3, da Constituição, estabeleceu-se que:

O vice-presidente da República funcionará como Presidente do Senado;

Em caso de ausência do vice-presidente, o Senado deverá eleger um presidente pro tempore (interino); e

Quando o presidente da República estiver sendo processado no Senado, o presidente da Suprema Corte presidirá o julgamento.

Afinal, qual o motivo para que a Constituição estipulasse que, nos julgamentos de impeachment do presidente da República, a respectiva sessão do Senado fosse presidida pelo presidente da Suprema Corte? Perceba-se que tal regra foi totalmente importada pela Constituição brasileira, em seu art. 52, parágrafo único.

Sua finalidade é justamente evitar a participação de uma autoridade que possuísse interesse na causa, notadamente quando viesse a ser chamado à linha sucessória da Presidência na hipótese de condenação. Assim, a constituição norte-americana excepcionalmente afasta a participação do vice-presidente no impeachment do presidente, deixando a presidência do julgamento no Senado, excepcionalmente, a cargo do presidente da Suprema Corte.

Essas disposições, de acordo com Akhil Reed Amar, professor de direito constitucional da Yale University, consagram o princípio jurídico “nemo judex in causa sua” (ninguém pode ser juiz de sua própria causa), que está na gênese do sistema jurídico civilizado, não somente no final do século XVIII nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas por todo o planeta e ao longo de séculos.

A origem do princípio nemo judex in causa sua remonta ao julgamento do caso Bonham, no qual o juiz é grande referência do common law inglês, Edward Coke, proclamou, no ano de 1610, o que se tornaria uma máxima do sistema: “nenhum homem pode ser juiz de seu próprio caso” (no man can be judge in his own case). Já William Blackstone, em seu clássico Comentários sobre as Leis da Inglaterra, alertava que as regras legais possuem exceções implícitas mesmo quando tenham pretensões gerais e absolutas.

Ademais, os federalistas, durante os debates que antecederam à Constituição dos EUA, sempre invocaram o princípio nemo judex in causa sua numa variedade de contextos e com robustez suficiente para confirmar que este princípio é uma premissa de todo o projeto constitucional. No “The Federalist”, 10, James Madison, escrevendo como “Publius”, declarou que “nenhum homem pode ser juiz em seu próprio caso porque indiscutivelmente seu interesse influenciaria o julgamento e provavelmente corromperia sua integridade”.

O intérprete nunca pode ignorar o propósito do direito: deve-se interpretar as normas jurídicas de modo a evitar absurdos ou situações desarrazoadas, notadamente quando presente uma situação excepcional, não prevista pelo constituinte na criação da regra geral. O poder de excepcionar certas circunstâncias deve ser garantido, extraordinariamente, nos casos em que fica evidente que a manifestação de vontade do constituinte, de acordo com a lógica do sistema, seria de excepcioná-las se as tivesse previsto.

Isto é, ao menos que fique patente que o desejo constituinte era, de fato, estipular um comando absurdo ou de resultado injusto, a carta suprema deve ser interpretada a fim de evitar o absurdo e a injustiça. Ou alguém defenderia o absurdo de que o presidente da Suprema Corte pudesse presidir sua própria sessão de julgamento de impeachment no Senado Federal, conforme a literalidade do art. 52, II e §único, da Constituição Federal?

Logo, em que pese a ausência de disposição expressa, pode-se defender que o princípio nemo judex in causa sua figura implicitamente em nossa Constituição como imperativo ético na estrutura do sistema de responsabilização do Presidente da República. E, na condição de princípio constitucional implícito, dele se irradiam efeitos suficientes para obstar a participação de Rodrigo Maia na deliberação da Câmara dos Deputados sobre a denúncia criminal de Michel Temer.

Referências:

AMAR, Akhil Reed. America´s Constitution: a biography. Nova Iorque: Random House Trade Paperbacks, 2006.

America´s Unwritten Constitution: the precedentes and principles we live by. Nova Iorque: Basic Books, 2012.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2017-jul-15/opiniao-rodrigo-maia-nao-deliberar-denuncia-temer

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